Flores Dispersas 2ª Série

DESESPERANÇA

Que céu formoso, que natura está!
Tantos fulgores vem turbar minh’alma!
Meu Deus! Se a vida é para uns tão calma
Por que p’ra mim ela é tão negra e mesta!

Em magos risos despertando a aurora
A flor do prado seu aroma exala!
Eu também vejo-a despertar...que fala
Soltarei d’alma que o passado chora?

A vida é negra! Nenhum astro ameno
Derrama a luz que lhe afugente a treva!
Quero sorrir-me! Mas a dor me leva
Do peito aos lábios um saudoso treno!

Vejo floridos para o seu noivado
Os laranjais, e a natureza inteira...
É tudo festa! Na mimosa esteira
Da Veiga amena, no florente prado...

Mas a esperança que dourou minh’alma
Da minha vida na estação da infância
Agora à tarde, já não tem fragrância
Que possa dar-me ao dessossego calma!

E a natureza tem eterna festa!
Da f’licidade nela vê-se a palma!
Meu Deus! Se a vida é para uns tão calma
Por que p’ra mim ela é tão negra e mesta?!

Dos verdes lustros na dourada aurora
Por entre rosas nos sorri a vida!
Mas de meu sonho é a ilusão perdida!
E geme o peito, enquanto a alma chora!

E a lira no laranjal cheiroso
Pendida a um galho se acalenta em prantos!
Ave chorosa dos passados cantos
Nem ouve o eco no vergel formoso!

E a rosa branca do gentil valado
Se às vezes diz-lhe um amoroso voto,
Ela suspira, e no futuro ignoto
Só vê a imagem do cruel passado!

Júlia da costa – Flores Dispersas 2ª série
Santa Catarina 1868



PRIMEIRO DE JULHO

Mais um ano esvaecido
Pelos sopros da amargura
Vai nas asas da saudade
Sossobrar em furna escura,
Sem um raio de esperança,
Sem um riso de ventura!

Já o sol deixando a terra
Se mergulha no oceano;
Já os astros reaparecem
Sobre o céu azul e lhano;
E da pálida existência
Eu de menos conto um ano.

Negras sombras, afastai-vos,
Que me morre o canto n’alma!
Suspirai, ondas queridas,
Nesta noite triste e calma!
Demeus anos solitários
Embalai-vos, murcha palma!

Oh! Meu Deus! Que belos sonhos]Eu não vi em meu porvir!
Que miragem feiticeira
Neste dia a me sorrir!
É hoje... a imagem da incerteza
No horizonte a transluzi!...

O meu triste natalício
Vejo envolto na saudade,
Quando sinto o sacro fogo
Da florida mocidade,
Abrasar-me a fronte virgem,
Na sombria soleidade!

Negras sombras, afastai-vos,
Que me morre o canto n’ alma!
Suspirai ondas queridas
Nesta noite triste e calma!
De meus anos solitários,
Embalai-vos, murcha palma!

Júlia da costa – Flores Dispersas 2ª série
Santa Catarina 1868


AO TROVADOR

Quando múrmura em silêncio
A onda na praia nua,
Por que , ó bardo, tristonho
Lamentas a sina tua?

Quem te disse que a florinha
Cheia de viço e de amor
Cismando no ameno vale
Não sorria ao trovador?

- Vibra tua lira sonora
Harmonioso cantor,
Que é doce, bem doce ouvir
Teus cantos, ó trovador!       

Deixa as cismas temerárias
Em que te enlaças tristonho;
Não mates os brancos lírios
Do teu presente risonho.

Deixa infundados receios,
Lê teu livro de harmonia;
A Deus pertencem destinos,
Aos anjos a melodia.


- Vibra tua lira sonora
Harmonioso cantor,
Que é doce, bem doce ouvir
            Teus cantos, ó trovador!

Não fites assim tão triste
O teu poema de amor.
Que está bem longe a descrença
De teu viver sedutor.

Não cismes mais no silêncio
Da noite calada e fria,
Que teu porvir jubilosos
Desponta na poesia.


- Vibra tua lira sonora
Harmonioso cantor,
Que é doce, bem doce ouvir
            Teus cantos, ó trovador!  

Da juventude ufanosa
Se abrem as áureas portas
E as esperanças não podem
Por terra cair já mortas.

Deixa infundados receios,
Lê teu livro de harmonia;
A deus pertencem destinos.
Aos anjos a melodia.


- Vibra tua lira sonora
Harmonioso cantor,
Que é doce, bem doce ouvir
           Teus cantos, ó trovador!

A violeta descora
Se a brisa  passa por ela;
Desmaia se a beija um raio
Da lua meiga e singela.

Porém, ouvindo teus carmes
Exulta no prado ameno,
Pois é nota que vibras
Sidério, queixoso treno.



- Vibra tua lira sonora
Harmonioso cantor,
Que é doce, bem doce ouvir
           Teus cantos, ó trovador!

Júlia da costa – Flores Dispersas 2ª série
Santa Catarina 1868



MEU ASTRO

Em noites formosas tremendo nos ares,
Qual raio sidério nos seios de Deus,
Eu vejo-te, ó astro, luzindo faceiro
Qual sonho encantado, qual anjo dos Céus!

Que guardas te triste no brilho saudoso,
Que mundo derramas, sorrindo-me assim?
Se as nuvens se afastam buscando outros climas
Por que tu vacilas do céu no cetim?

Por que tu vacilas se as nuvens se afastam
Buscando outros lares no louco adejar!?
Nas vastas esferas, em noites calmosas,
Que astro te iguala no doce brilhar?

Oh! Gira meu astro, derrama teu brilho
Nas águas sentidas do plácido mar!
Minh’alma esmorece de dor e receio;
Não posso nas trevas sem luz caminhar.

Oh! Brilha, meu astro, nos mares perdido
Bordeja ao acaso meu triste batel;
Sem norte, sem rumo, cercado de escolhos,
Nás águas nadando de cálido fel!

Se a névoa se estende , se o vento da noite
Nas ondas soluça, minh’alma estremece!
Se a noite tem trevas, se as trevas saudade
Meu peito saudoso de dor se intumesce!

Não fujas, meu astro, se a noite tem sombras
Se as sombras mistérios – não tremas assim!
As trevas se rompem, segredos se rasgam
Do céu reaparesce mais puro o cetim.

Não fujas, meu astro! Derrama rteus raios
Na densa caligem do meu coração!
Ai! Quero senti-los bem dentro do peito,
Rendendo-te graças da minha solidão.

Não fujas, meu astro, que eu quero teus raios
Ainda nas lousas um dia fruir!
Na tumba singela que triste quardar-me
Teus lumes tão doces eu quero sentir.

Na tumba mesquinha, c’ o brilho que lanças,
Prometes meu rosto de luz inundar!
Nos lábios cerrados mil beijos saudosos
Prometes, prometes, tristonho gravar?

O espaço que é negro cortando n’um vôo
N’um dia de glória te irei procurar;
Oh! Guarda-me os lírios dos prados celestes,
Que as rosas da vida te hei de eu levar.

Contigo que és anjo de plácido lume,
Perdido nas vastas esferas de luz,
Contigo do mundo bem longe, bem longe,
Boiando irei indo das nuvens a flux!

De um pólo a outro pólo manso correndo
Teu lume bendito sorrindo amarei:
Do mundo maldito bem longe, bem longe,
Trajada de virgem no céu entrarei.

Oh! Brilha meu astro! Que assim eu te amo
Saudoso fulgindo com mudo brilhar!
Te lume entornando na conta cheirosa
Do verde jambeiro, do manso palmar!...

Júlia da costa – Flores Dispersas 2ª série
Santa Catarina 1868