Flores Dispersas 1ª Série

MEDO E PENA

Tenho medo do raio da alvorada
Que na fronte me pousa alegremente,
Tenho medo da sombra do crepúsculo
Que nas cismas me lança tristemente.
                       Tenho pena dos dias azulados
Na manhã de meus anos olorosa!
Quando as sombras da noite sonolentas
Se espreguiçam na selva pavorosa! 

Tenho medo da vida e mocidade
Que me pulsa a ferver no coração!
Tenho pena do tempo que se escoa,
Tenho medo, meu Deus, da solidão!
Da nitente alvorada tenho pena!
O vôo seu quisera equilibrar!
Tenho pena das aves que modulam
Na palmeira deserta o seu trinar!

Tenho pena de tudo! Até dos sonhos
Que vêm lentos pousar em meu cismar!
Dos prestígios dourados de criança,
Da luz baça e tristonha do luar!
Tenho medo de tudo que é presente!
Tenho pena de tudo que é passado!
-O presente é uma flor cheia d’espinhos,
O passado – um perfume evaporado!

Tenho pena da brisa matutina
Que no seio dos mares estremece;
Tenho pena da luz enamorada
Que no centro dos bosques desparece!
Tenho medo da morte, e tenho pena
Desta nuvem doirada que me alenta,
Da gentil mocidade que me cinge,
E que em berço de musgo me acalenta!

Tenho medo que a flor de minha vida
Vá tombada na lousa emurchecer!
Tenho medo da voz das tempestades!
Tenho medo, meu Deus, do escurecer!
Tenho medo de tudo que é presente!
Tenho pena de tudo que é passado!
- O presente é uma flor cheia d’espinhos,
O passado, um perfume evaporado!

Júlia da costa – Flores Dispersas 1ª série
Santa Catarina 1867


À NUVEM

Clara nuvem que corres no espaço
Entre um tíbio, mentido esplendor,
Onde vais desvairada e sem norte
Já perdendo o nativo candor?
Qual a ave fugida do ninho,
Qual um beijo ligeiro de amor?

P’ra que climas longínquos te volves
Com tão diva e gentil formosura?
Sobre as asas da brisa levada,
Tão serena, tão lépida e pura?
Inconstante, volúvel, sem pena
De deixar de teu céu a lisura?

Ai! Não corras sem tanto na esfera,
Não despreses teu leito dourado!
Não te atires louquinha nos ares
A seguir esse bafo encantado,
Que de brisa fingindo a doçura
Pode em euro tornar-se enraivado!

Ai! Não queiras subir mais distante,
Que bem alta, bem longe, já estás!
Renegando teu berço, qu’é a terra,
Sobre o berço do céu brincarás!
Mas querendo escolher outro leito
Tênue fumo decerto serás!

Tu celeste não és, és serena,
E portanto não queiras subir!
Vê que quanto mais alto se sobe
Mais se deve temer o cair!
Deixa a louca vaidade, não ouses
Condição mais brilhante exigir!

Não te afunes co’as lúcidas cores
Que te empresta d’aurora o albor!
Ai não julgues que és d’ouro formada,
Que sem raios do sol és vapor:
E tu vales fulgindo no espaço
Quanto vale na terra uma flor!

Ai! Não corras sem tento no espaço!
Não te prenda d’arage’ a fragrância!
Vê que é ela inconstante e traidora
Como os seus companheiros d’infância!
Não desprezes teu leito macio,
Não te atires nos ares com ânsia!

Júlia da costa – Flores Dispersas 1ª série
Santa Catarina 1867


DEVANEIOS

Nas sombras da noite, coruja agoureira
Seu pio sinistro gemendo soltou;
E a lâmpada tíbia que além rutilava
O vento zunindo de todo apagou!

O anjo formosos das doces saudades
As plumas doiradas tremendo bateu;
E a ninfa mimosa do casto silêncio
Ao fundo do lago, sorrindo desceu!

Lá dorme no vale por entre os aromas
Que expandem as rosas, donzela gentil!
Os raios dos astros lhe beijam as faces
Onde viceja rubor infantil!

Ao colo dos anjos revoam trementes
Os castos anelos da pura donzela
Que dorme agitada, mas cujo sorriso
Adorna-lhe o rosto que amor só revela,

Fulguram no espaço duas lindas estrelas
Transuntos fiéis d’ um amor eternal!
São anojos que velam ao lado da virgem
Que dorme entre risos nas sombras do Val.

E a noite caminha! A aurora apressada
Não tarda seu sólido no céu a tomar!
E a virgem levada nas asas d’ um sonho
Sequer um instante se viu despertar!

A aragem suave já sopra da serra,
Descanta a avezinha sidéreos amores!
E à jovem insonte sonhando e sorrindo
Seu anjo coroa de louros e flores!

E passam, caminham, as horas velozes...
É tarde, bem tarde p’ r’ o livre pastor...
E a virgem dormindo parece risonha
Que a vida é um sonho – talvez – ilusor!

As duas estrelas perderam o brilho...
Fugiram das fímbrias douradas do céu!
Quem pôs a esperança no brilho dos astros
Desperta chorando...descrendo – se creu!

Assim a donzela desperta chorando,
Que as lindas estrelas não vê fulgurar!
A aurora espancou-as do céu! Entre as névoas
Fez ambas sorrindo deixar de brilhar!

Palpando sua fronte, buscando as estrelas
Que o sono lh’ encheram de tanta ternura,
Só acha de rosa boto perfumado
Que lembra a su’ alma mentida ventura!

Em prantos no leito, desfolha-o sem pena...
Seu anjo da guarda chamando chorosa!
Porém lhe respondem só prantos doridos
Da rola do bosque que geme queixosa!

E a linda roseira que deu-lhe perfumes
As folhas estende n’ um berço de relva!
E o sonho de virgem oculta nas pétalas,
Oculta nas rosas que pendem na selva!

Júlia da costa – Flores Dispersas 1ª série
Santa Catarina 1867


SINHÁ

Por entre as tênues vibrações chorosas
D’ esta minh’ alma confrangida e triste
Repete o estro meu teu nome caro
Que fundo no coração gravado existe.

Quando a lua entre rendas se debruça
Sobre o céu d’um azul místico e lindo
E se mira à corrente;
Quando a ave da noite apavorada
Entre os cantos sentidos da natura
Pipita tristemente;

Quando a ragem da noite, que, adejando
Diz às flores segredos, um suspiro
Vai no espaço soltar;
E um arfar perfumado, um doce hino,
Vem donoso roçar-me pelas faces,
Das vagas no quebrar;

Eu te vejo, - visão da madrugada
Que entre sonhos sorri-me docemente-
Eu te vejo, sinhá!
Assim, qual divo arcanjo em véus envolto
Fragrantes florzinhas espargindo
Que na terra não há!

Então meu estro despertando treme...
Qual florinha ao roçar tímido e doce
Da brisa serenada!
Esquece o mundo – a existência – e só teu nome
Vem saudoso pousar sobre minh’ alma
Tristonha e amargurada!

Minh’ alma é o mesto alcíon que em brando lago
Busca alívio ao sofrer, trégua ao martírio,
De penoso existir!
E é tua imagem meiga quem sorri-me
Retratando o passado! – e na minh’ alma
Saudades – a exprimir!
.............................................................

Como aljôfar celeste que tremula
D’ uma flor sobre as folhas de veludo,
À luz da madrugada,
Assim teu nome vem filtrar no peito
Um sentir que inebria... uma saudade
De gozos retocada!

Júlia da costa – Flores Dispersas 1ª série
Santa Catarina 1867


ESCUTA

Ai! Triste de quem não tem
No seu exílio escabroso
Ninguém! Ninguém!

Nunca ouvistes as notas várias
Solitárias
Que solta mágica flauta
Quando a lua empalecida
Enternecida
Sobre as águas se retrata?

Nunca viste a flor do prado
Rorejado
Pelo orvalho da manhã,
Desmaiar ao sol lascivo,
Áureo, vivo,
Que vai beijá-la louçã?

Pois como o som afligido,
Ressentido.
Que solta a flauta no ar,
Assim é o meu lamento,
Solto ao vento,
N’ uma noite de luar!

E como a flor perfumada
Desbotada,
Que esmorece ao sol d’ abril,
Assim é esta minh’ alma!
Que sem calma
Sofre dores mais de mil!

Pobre romeira sem guia
Noite e dia,
Sempre, sempre a caminhar!
Olho o porvir tão distante!
Tão distante
Que duvido de o alcançar!

Fito o viver...pesaroso!
Nebuloso!
É procela em alto mar!
Olho as águas vejo horrores!
E só dores
Vêm meu seio agitar!

À sombra a sós dos palmares
Nestes lares
Onde vivo entristecida;
Sou como a rola coitada,
Desprezada,
Longe dos seus sem guarida!

A débil erva na margem ...
Minha imagem!
Deste mundo sobre o mar!
Fito as ondas ... tenho medo!
Vendo-as cedo
Nascer, crescer, rebentar!

Triste da órfã, coitada!
Desgarrada
Folha d’ um cedro senhor...
Canto d’ um livro doirado
Escapado
Entre mágoas, ais, e dor...

Triste da órfã inocente!
Que tremente
Na folha pálida e fria
Do seu funéreo passado,
Amargurado,
Só vê a melancolia!

Flor desbotada e singela
Da capela
De um ataúde arrancada!
Onde abrigar-se estrangeira,
Se na beira
D’ estranho lago é jogada?

Se no reflexo de prata
Que recata
A superfície do lago,
Hórrido véu de tristeza,
De tristeza,
Não lhe dá um riso, afago?

Ai! Não sabem o que é a vida
Umedecida
Pelos prantos da saudade!
E por cantos arrancados
Modulados
No alaúde da orfandade!

Não sabem, não! Que a primeira
Lisongeira
Flor que brota o coração,
Se a vestem galas na infância
Tem flagrância
Qual flor longe da soidão!

Porém se crepes, coitada,
Na alvorada
Tem do infantil viver,
Prende a fronte sobre a fria
Melancolia!
Fá-la a saudade morrer!

Júlia da costa – Flores Dispersas 1ª série
Santa Catarina 1867


MELANCOLIA

                       I

Nubca ouviste, alta noite, um som dorido
Como um eco infiel de teu pensar,
Ir saudoso chorar sobre teu seio,
E murmurar-te cantos de pesar?

Nunca ouviste, no albor, o doce arrulho
Da rolinha que chora amargurada,
Qual lira dedilhada
Em florido sertão? Ou harpa eólia
Pelo tufão tocada?

Nos arroubos celestes de tu`alma
Nubca ouviste um acorde esvaecido,
Pelas verdes palmeiras ciciando
Perpassar merencório entristecido?

Pois ccomo o som dorido, e o vago arrulho
Da pombinha que chora o seu destino,
Desvairada, sem tino; -
É meu triste pensar sonhado o berço
Em que dormiu menino!

II

Eo céu lindo! E a primavera vejo
Sorrir-me tão viçosa e amenizada!
Qual nuvem qu’ é levada
No arrebol da manhã fulgente e belo,
De risos enfeitada!

E a natura trajando as brancas vestes
Do modesto noivado; - em mês d’ abril
Como a flor o sorrir-se entre perfumes: -
Os seus braços me estende, tão gentil!

E o mundo remanseia brandamente,
Qual ondinha ligeira vaporosa
Em seu berço de rosa!
Áureo, belo, gentil! Seduz, fascina!
Imagem caprichosa!

Mas eu tristonha sou, bem como a estrela
Que sozinha cintila n’ alvorada!
A saudade tornou minh’ alma um lírio
Que descora de dor na madrugada!

Júlia da costa – Flores Dispersas 1ª série
Santa Catarina 1867


ACORDES POÉTICOS
Não tenho segredos! É pura minh`alma!
Qual cândida aurora rasgando o seu véu!
Velando ou dormindo, chorando ou sorrindo,
Só amo – meus campos – meu solo – meu céu!

Cresci sobre um ermo tristonho e sombrio
Soltei nas campinas meu primeiro cantar!
Saudei nas montanhas o sol que nascia,
Brinquei entre moitas ao claro luar!

Sou jovem, sou meiga! Sorri-me o futuro
Nas fímbrias doiradas de aurorars de paz!
A flor das campinas só ama o infinito
Do céu das venturas...não quero nada mais!

As flores prados não causam-me inveja,
Que hei flores mimosas no meu coração!
Lauréis e grandezas, eu não, não aspiro!
Não quero ter gozo tão falso, tão vão!

Não tenho segredos! É pura minh`alma!
Qual cândida aurora rasgando o seu véu!
Velando ou dormindo, tristonha ou alegre,
Só amo – meus campos – meu solo – meu céu!

Júlia da costa – Flores Dispersas 1ª série
Santa Catarina 1867


MELODIAS

Quando o cendral desdobra a noite amena
E aljôfares desprende;
Quando o mar adormece e o branco lírio
Na verde rama pende;

Quando a rola nos bosques seus queixumes
Exala entristecida,
Min’alma ainda virgem sorve a tragos
Em doce taça a vida!
Então revoando o estro meu no mundo
Em um sonho de anelos,
Eu sinto-o renascer, cantar alegre
Os seus dias tão belos!

Depois corre o universo... foge, voa...
E assim a divagar
Roça apenas nas flores que o osculam,
No rápido girar!

Mas ao ver-te no céu mística estrela
De luzir vacilante,
Pára...treme...e tua luz o endoidecendo
Afaga-te constante!

...............................................................

E o que dizes, farol baço da noite
Nessa luz frouxa e tíbia que derramas,
Pelas sarças florentes, que se inclinam
Do zéfiro ao passar?

Que divinal arcano ou que segredo
Em teu fulgir de melindroso enlevo,
Tão saudoso e tão tímido, repetes
Da tarde ao declinar?

Sempre tu, ambulante e pensativo
No meu Éden de amor tão florescente!
Sempre tu! Sempre o mesmo enlevo triste
No teu vago brilhar!

Nos meus cantos e risos sempre um eco
Mais tristonho e vibrante! Sempre um canto
Insondável p’ra mim! E sempredoce
Dás-me tu nova vida em novo pranto!

A linda Aurora surge e frisa terna
Do oceano a argentina e linda face!
E tu surges p’ra mim tão merencória
No horizonte a brilhar?

Por que vens sempre assim entristecida?
Se meu pranto e meu riso te aborrecem,
Enxugarei do rosto o orvalho doce,
Deixarei de sorrir!

Se a causa, ó lua, de teu triste brilho
É meu riso ou meu pranto; de meus lábios
Limparei o retoque da saudade,
E sorrirei por ti!

Que és tu que acalenta minha musa!
Elétrica faísca tua a queima!
Fazes min’alma a delirar em sonhos
Fantasias formar!

Mas com esse palor que te circunda,
Com esse teu sorriso enregelado,
Sobre o éter, de flocos revestida,
Tu me fazes morrer!...

Deixarei de sorrir, de verter pranto!
Serei mármor sem vida e sentimento!
Mas não quero te ver assim tão triste,
Ó lua, a fulgurar!

E quando o vento da noite soprar forte,
E quando o céu estrelado tenha encantos,
Vem, toma teu sólio – pranto ou riso
Não hás de em mim achar!

Mas tu hás de me dar risos sem gelo!
Hás de me dar fulgindo uma esperança!
E na celeste arcada um hino doce
Escreverás de amor!

Quero assim contemplar-te alegre e meiga,
De galas revestida!
Minh’alma, encontrará, assim te vendo,
Mais doce o mel da vida!

Júlia da costa – Flores Dispersas 1ª série
Santa Catarina 1867