sábado, 15 de outubro de 2011

ESCUTA


Ai! Triste de quem não tem
No seu exílio escabroso
Ninguém! Ninguém!

Nunca ouvistes as notas várias
Solitárias
Que solta mágica flauta
Quando a lua empalecida
Enternecida
Sobre as águas se retrata?

Nunca viste a flor do prado
Rorejado
Pelo orvalho da manhã,
Desmaiar ao sol lascivo,
Áureo, vivo,
Que vai beijá-la louçã?

Pois como o som afligido,
Ressentido.
Que solta a flauta no ar,
Assim é o meu lamento,
Solto ao vento,
N’ uma noite de luar!

E como a flor perfumada
Desbotada,
Que esmorece ao sol d’ abril,
Assim é esta minh’ alma!
Que sem calma
Sofre dores mais de mil!

Pobre romeira sem guia
Noite e dia,
Sempre, sempre a caminhar!
Olho o porvir tão distante!
Tão distante
Que duvido de o alcançar!

Fito o viver...pesaroso!
Nebuloso!
É procela em alto mar!
Olho as águas vejo horrores!
E só dores
Vêm meu seio agitar!

À sombra a sós dos palmares
Nestes lares
Onde vivo entristecida;
Sou como a rola coitada,
Desprezada,
Longe dos seus sem guarida!

A débil erva na margem ...
Minha imagem!
Deste mundo sobre o mar!
Fito as ondas ... tenho medo!
Vendo-as cedo
Nascer, crescer, rebentar!

Triste da órfã, coitada!
Desgarrada
Folha d’ um cedro senhor...
Canto d’ um livro doirado
Escapado
Entre mágoas, ais, e dor...

Triste da órfã inocente!
Que tremente
Na folha pálida e fria
Do seu funéreo passado,
Amargurado,
Só vê a melancolia!

Flor desbotada e singela
Da capela
De um ataúde arrancada!
Onde abrigar-se estrangeira,
Se na beira
D’ estranho lago é jogada?

Se no reflexo de prata
Que recata
A superfície do lago,
Hórrido véu de tristeza,
De tristeza,
Não lhe dá um riso, afago?

Ai! Não sabem o que é a vida
Umedecida
Pelos prantos da saudade!
E por cantos arrancados
Modulados
No alaúde da orfandade!

Naõ sabem, não! Que a primeira
Lisongeira
Flor que brota o coração,
Se a vestem galas na infância
Tem flagrância
Qual flor longe da soidão!

Porém se crepes, coitada,
Na alvorada
Tem do infantil viver,
Prende a fronte sobre a fria
Melancolia!
Fá-la a saudade morrer!

Júlia da costa – Flores Dispersas 1ª série
Santa Catarina 1867

MELANCOLIA

I

Nubca ouviste, alta noite, um som dorido
Como um eco infiel de teu pensar,
Ir saudoso chorar sobre teu seio,
E murmurar-te cantos de pesar?

Nunca ouviste, no albor, o doce arrulho
Da rolinha que chora amargurada,
Qual lira dedilhada
Em florido sertão? Ou harpa eólia
Pelo tufão tocada?

Nos arroubos celestes de tu`alma
Nubca ouviste um acorde esvaecido,
Pelas verdes palmeiras ciciando
Perpassar merencório entristecido?

Pois ccomo o som dorido, e o vago arrulho
Da pombinha que chora o seu destino,
Desvairada, sem tino; -
É meu triste pensar sonhado o berço
Em que dormiu menino!

II

Eo céu lindo! E a primavera vejo
Sorrir-me tão viçosa e amenizada!
Qual nuvem qu’ é levada
No arrebol da manhã fulgente e belo,
De risos enfeitada!

E a natura trajando as brancas vestes
Do modesto noivado; - em mês d’ abril
Como a flor o sorrir-se entre perfumes: -
Os seus braços me estende, tão gentil!

E o mundo remanseia brandamente,
Qual ondinha ligeira vaporosa
Em seu berço de rosa!
Áureo, belo, gentil! Seduz, fascina!
Imagem caprichosa!

Mas eu tristonha sou, bem como a estrela
Que sozinha cintila n’ alvorada!
A saudade tornou minh’ alma um lírio
Que descora de dor na madrugada!

Júlia da costa – Flores Dispersas 1ª série
Santa Catarina 1867




ACORDES POÉTICOS


Não tenho segredos! É pura minh`alma!
Qual cândida aurora rasgando o seu véu!
Velando ou dormindo, chorando ou sorrindo,
Só amo – meus campos – meu solo – meu céu!

Cresci sobre um ermo tristonho e sombrio
Soltei nas campinas meu primeiro cantar!
Saudei nas montanhas o sol que nascia,
Brinquei entre moitas ao claro luar!

Sou jovem, sou meiga! Sorri-me o futuro
Nas fímbrias doiradas de aurorars de paz!
A flor das campinas só ama o infinito
Do céu das venturas...não quero nada mais!

As flores prados não causam-me inveja,
Que hei flores mimosas no meu coração!
Lauréis e grandezas, eu não, não aspiro!
Não quero ter gozo tão falso, tão vão!

Não tenho segredos! É pura minh`alma!
Qual cândida aurora rasgando o seu véu!
Velando ou dormindo, tristonha ou alegre,
Só amo – meus campos – meu solo – meu céu!

Júlia da costa – Flores Dispersas 1ª série
Santa Catarina 1867